quarta-feira, 23 de julho de 2008

“Duplo” povoamento em Castro Laboreiro

Este texto é um capítulo da tese de doutoramento em Geografia (ramo de Geografia Humana) de Elza Rodrigues. A tese, de 2006, teve como título "Lima Internacional: Paisagens e Espaços de Fronteira".


Se o território de Castro Laboreiro constitui, ainda hoje, para os investigadores das mais variadas áreas científicas tema de complexas problemáticas, a opinião é, contudo, unânime quando se referem à importância que adquiriu, desde os tempos mais recônditos, na organização da área em que se encontra inserido.

A complexidade
territorial
de
Castro Laboreiro poder-se-á, desde logo questionar, quando reflectimos sobre o embicado das unidades morfológicas que o caracterizam.

A estrutura
geomorfológica pode explicar as formas de maturidade bem conservadas, como são as cristas de granito desagregadas pela erosão e os vales largos, de fundo ligeiramente abaulado, percorridos por ribeiras, que, calmamente correm à superfície do planalto, destacando-se a drenagem efectuada pela "ribeira do Laboreiro". Dos processos de arenização resultaram extensas acumulações de areias, que constituem a terra arável, suficientemente funda e húmida, que o castrejo aproveitava para a cultura de sequeiro e o desenvolvimento de prados.

As formas
de juventude, que se sucedem a sul, em que a acção erosiva cenoantropozóica já mordeu o planalto, traduzem-se nas ribeiras encaixadas a mais de 250 metros e instaladas em vales com vertentes escarpadas e talvegues fortemente desnivelados. Em todos estes vales matizados por pequenas povoações encontram-se porções de solo arável utilizado para culturas e pastagens.

Poder-
se-á inferir, que a drenagem da ribeira principal de Castro Laboreiro, o rio de Castro Laboreiro, rio Grande, como localmente é designado, contribuiu, decisivamente no modo de distribuição dos diferentes lugares, quer os da extensa área, ligeiramente ondulada, na orla do planalto, com as cotas a variar entre os 900 e 1200 metros, quer os dos encaixados vales de fractura, com valores de altitude a mediar os 600 a 900 metros, quer aqueles que, a Norte, se dispõem, gradualmente dos 1200 aos 900 metros, como que "voltados" para o rio principal.

Se, de um modo global, as povoações castrejas atingem cotas que compreendem os 600 a 1200
metros, a freguesia atinge os valores mais elevados de altitude, a Norte, em pleno planalto, com Giestoso a atingir os 1336 metros.

O acidentado do relevo associado a um clima rude e agreste com a neve, por vezes, a cobrir a paisagem
durante longos períodos do ano, justificam que Castro Laboreiro seja um território caracterizado por variações locais de tipos de tempo, que teriam determinado comportamentos na população, que são únicos em todo o Lima raiano.

Se em Castro Laboreiro existem lugares, por sinal os mais populosos, cujos moradores
permanecem os doze meses do ano, razão pela qual os designamos por lugares “fixos”, destacamos os lugares que, anualmente, assistiam à saída de todos os seus habitantes acompanhadas pelos animais, desde o cão e o gato, ao bovino e à rês, além dos respectivos utensílios, domésticos e agrícolas, ora, para as aldeias de fundo de vale, as inverneiras 499 protegidas dos ventos gélidos e secos que sopram de leste, e, simultaneamente expostas às influências climáticas de direcção Sul, onde passavam os rigorosos meses de Inverno, ora, para as povoações da orla do "planalto", junto das ribeiras, ou, nas lombas que separam pequenos vales, as verandas 500, com verões frescos e arejados.

O verandejo começava a baixar à inverneira, por principio, na primeira quinzena de Dezembro
sendo, contudo, como que uma obrigação passar aí a noite de Natal, e subia à veranda, novamente acompanhados dos utensílios agrícolas e domésticos e, logicamente dos animais, na aurora da Primavera, normalmente no mês de Março, mas, sempre a tempo de aí passar as festas da Páscoa 501.

Curiosamente, os habitantes de uma veranda sempre teriam tido outros vizinhos na "sua"
inverneira. Nunca existiria uma correspondência "total" entre os habitantes da veranda/inverneira, motivo que justificou, ainda em 2000, a complexidade da rede resultante da materialização dos fluxos de pessoas e animais, que se entrecruzam nos períodos da mudança sazonal.

Questionados
os nossos interlocutores justificaram, com a maior das naturalidades, esta diversidade nos sentidos das deslocações pelo acto de casar, que ao reunir cônjuges provenientes de verandas e, ou, inverneiras distintas, o casal era herdeiro de imóveis em vários lugares, optando para residência temporária por aquela que entendiam ser-lhes mais favorável.

Quando nos interrogamos
sobre os motivos que poderiam justificar o calendário destas mudanças sazonais concordamos, de certo modo, com a explicação generalizada da população envolvida, as condições locais do clima. As temperaturas muito baixas, mesmo negativas nos meses de Inverno, frequentemente acompanhadas por fortes nevões, inviabilizam nas aldeias a
maior cota, não só a existência de pastagens, como a realização das tarefas quotidianas, pelo que a população confrontada com a necessidade, por um lado, em conseguir novos pastos para a sobrevivência dos animais, por outro, em fugir a semelhantes intempéries, refugiava-se nos
lugares abrigados do fundo de vale.

Dir-se-á que parte dos castrejos faziam, anualmente, duas mudanças da casa, onde tudo se
deslocava, pois até o caneco era necessário transportar. Os tempos eram difíceis e não havia disponibilidade económica para se ter simultaneamente duas casas apetrechadas, como me diziam amavelmente em Julho e Agosto de 2003 muitos dos participantes neste tipo de deslocação.

Com o movimento emigratório da população masculina das décadas de cinquenta e sessenta,
para os países da Europa Ocidental, nomeadamente a França, a família castreja adquiriu um poder de compra, que lhe permitiu reconstruir, ou levantar de raiz, a sua habitação e equipá-la de forma a resistir aos rigores de um Inverno, por muito rigoroso que seja, no caso das verandas, ou, aos Verões quentes e, de certo modo, “abafados”, com são os das inverneiras.

Por este conjunto de razões, modificações significativas se registaram nas últimas duas a três
décadas na mobilidade interna dos verandejos.

Em 2000, se predominavam as famílias que tinham escolhido como lugar de residência
permanente, a veranda, com a Portela a manter todos os seus residentes ao longo do ano, sobressaía a Ameijoeira como a única inverneira a ser capaz de fixar famílias, que mantinham o seu quinhão, ou, nas Eiras, ou, no Curral do Gonçalo.

Contudo, a "atracção" das inverneiras na fixação "permanente" de residentes encontrava-se com
uma tendência positiva, pois em 2004, já residiam duas e quatro famílias, respectivamente na Curveirae nas Cainheiras, ao longo dos doze meses do ano.

Questionados
sobre os motivos que os levaram a optar por um dos lugares, os castrejos não apresentam razões, em nosso entender, totalmente determinantes, pois alegam, por exemplo, que investiram na casa, nova, ou, reconstruída, localizada na veranda e, portanto, não a vão abandonar 502, enfrentando bem os rigor dos invernos com os modernos sistemas de aquecimento.

Salientamos
os moradores da Portela, que justificaram a sua "fixação" pelo facto da inverneira correspondente, a Varziela, se implementar a uma altitude muito próxima, motivo pelo qual os invernos são, de igual modo, muito rigorosos.

Não nos
podemos esquecer que mesmo nos tempos em que se utilizava a palha de centeio, o colmo, para a cobertura da habitação, a casa “melhor”, apesar de tudo, situava-se na veranda sendo aí que, sempre, se teria verificado o maior período de permanência.

Em relação à opção pela residência com carácter definitivo na inverneira, as justificações
apresentadas relacionar-se-iam com o trabalho e cansaço associado à mudança, além daqueles que o decidiram, porque na sua veranda já ninguém reside, como sucede em Formarigo, ou então, porque os vizinhos da inverneira já nela se encontram fixados, como na Curveira.

Ao relacionarmos com o traçado da rede viária a posição das inverneiras habitadas todo o ano,
em Agosto de 2004, Ameijoeira, Cainheiras e Curveira 503, inferimos que se situam junto à estrada “mais jovem”, aberta em 1975, que liga o lugar da Vila a Entrimo, através da Ameijoeira. Assim, entendemos que mesmo sem, objectivamente pensarem neste factor, talvez a acessibilidade tivesse sido determinante na opção efectuada. Contudo, depois de termos conversado com muitos dos residentes, ficamos convencidos que, muito provavelmente, são mais os motivos de ordem afectiva e de vizinhança, logo, emocionais, que justificam a escolha, do que propriamente outro tipo de razões.

Mas, as gerações seniores continuam, religiosamente a baixarem à inverneira de 12 a 20 de
Dezembro, podendo-se estender o período até à véspera de Natal, dia 24, para subirem à veranda em Março.

As mudanças adquirem actualmente outras roupagens e cor. As duas casas, a da veranda e a da
inverneira, estão mobiladas e apetrechadas, logo, só se torna necessário transportar alimentos, vestuário, o domingueiro, pois o da semana, “de cotio”, existe em ambas as residências e, claro está, os animais. Com excepção dos animais de pastoreio, graúdo e miúdo, tangidos pelo respectivos donos e actualmente um efectivo muito reduzido, que continuam a fazer o trajecto a pé, o agregado familiar faz-se deslocar, ou na carrinha, ou no automóvel, ou então, no tractor com todos as "bagagens" necessárias para a estadia.

Estes cenários contrastam com os vividos até aos meados do séc. XX em que o agregado familiar
se deslocava a pé, com os utensílios a serem transportados, ou, em "carros de vacas", ou, pelas mulas e cavalos, ou, no dorso da gente jovem.

Partiam em
grupo de vizinhos, mesmo que não fossem para o mesmo lugar, a inverneira, o que exigia que a data e local de saída fossem, previamente, combinados 504.

Apesar das alterações dos últimos anos, ainda hoje, se mantém o gesto solidário em relação aos
agregados com membros enfermos. Os vizinhos esperam que o doente se restabeleça, ou, que esteja em condições de suportar a deslocação, para só, depois, efectuar a partida.

Não era só o sistema agro-pastoril que se organizava em função destes movimentos, mas,
também, os serviços que serviam esta população, como, por exemplo, a distribuição do correio e o local de funcionamento das escolas primárias.

Se a escola primária, que se localizava nas Cainheiras, inverneira que além de ocupar,
sensivelmente o lugar central em virtude de se encontrar a uma certa equidistância em relação às aldeias que servia, verandas e inverneiras correspondentes, todas localizadas na margem esquerda do rio de Castro Laboreiro 505, o mesmo não acontecia em relação àquelas que se distribuem pela margem direita do rio Grande.

Existia em Adofreire 506 uma escola primária, que
funcionava no 1º período escolar, isto é, desde o início das aulas, o mês de Outubro, a 15 de Dezembro, reabrindo a 15 de Março. O 2º período lectivo funcionava numa outra escola localizada na inverneira, a da Assureira. Nos primeiros anos, numa casa particular, passando, depois para um pavilhão, hoje totalmente abandonado.

A professora do Ensino Elementar participava, também, no movimento, mas, como por princípio,
residia no lugar da Vila, limitava-se a percorrer, sensivelmente, a mesma distância, tomando, apenas, sentidos opostos.

Com a deslocação para as inverneiras faziam-se “acertos” entre as escolas, ao acolherem aquelas
crianças, que residiam nos lugares mais próximos, mesmo que não correspondessem às verandas que a escola servia, pois eram longas e difíceis as distâncias a percorrer e, muitas vezes, sob condições climáticas muito adversas. Neste caso, as crianças tinham dois ambientes escolares, provavelmente diferenciados num curto espaço de um ano. Mesmo assim, nas últimas décadas, famílias havia que para suavizar a aspereza da caminhada hospedavam a criança numa família amiga, na inverneira, onde se localizava a escola, ou, então, na Vila.

Por curiosidade, além de estes estabelecimentos
escolares, havia os que serviam os lugares “fixos”. Com a diminuição da população em idade escolar, as escolas foram-se reduzindo e, actualmente, as crianças são deslocadas diariamente para o agrupamento dos Pomares, na freguesia limítrofe de Paderne.

O calendário das deslocações sazonais também era cumprido pelo carteiro, quando se iniciou a
distribuição do correio ao domicílio, mantendo-o, quando as verandas e inverneiras começaram a ter residências habitadas todo o ano, o que exigia que as famílias se deslocassem no período não usual de residência, à localidade mais próxima. Actualmente, é diferente, pois desde há uns seis anos, a distribuição da “mala posta” faz-se nos lugares habitados, independentemente do período em questão.

Se até os serviços eram sensíveis a este tipo de deslocações, não se pense que o lugar não
habitado, veranda ou inverneira, ficava, de facto, sem vida. Se as casas estavam fechadas e não se verificava o bulício característico da permanência dos animais e pessoas, havia, sempre, um ou vários elementos da família a deslocarem-se amiúde e, em muitos casos, diariamente, mesmo em pleno inverno, à veranda respectiva, por que, ou, havia a água para conduzir aos campos de feno, ou, o muro de pedra solta para reparar, ou, o centeio e o pão cozido 507 para transportar, ou, simplesmente, por que iam verificar se a casa e respectivas courelas não tinham sido alvo de vandalismo.

Além disso, enquanto residentes na veranda, periodicamente e de acordo com as fainas agrícolas,
elementos do agregado familiar, individualmente, ou, em grupo, deslocavam-se à inverneira acompanhados do gado, que pastoreavam nas parcelas em pousio, ou, nos campos de feno, que não justificava o corte, e nela pernoitavam, sempre que a duração do trabalho o exigia, como por exemplo, botar as batatas em Maio, sachá-las em Junho, cortar e armazenar os fenos em Julho, segar o centeio e fazer as respectivas malhadas em Agosto, para, até Setembro, procederem à preparação do solo destinado à sementeira da cultura arvense possível na freguesia, a do centeio.

É evidente, que hoje o verandejo continua a deslocar-se, frequentemente, mas de tractor ou de
carrinha, à outra residência e respectivas propriedades, mais com a preocupação em garantir a sua salvaguarda, ou, simplesmente, para fazer um pequeno cultivo, como recordação dos tempos passados, uma vez que o seu nível de vida depende dos rendimentos provenientes das estadias no estrangeiro.

Contudo, as descrições que nos foram efectuadas, de forma tão sentida e vivida, por muitos dos
intervenientes, e a conservada rede de caminhos bem murados, que interligam os lugares e bem patentes, ainda, na paisagem actual, permitiu-nos esboçar o ambiente de cores, sons e movimentos produzidos pelo carro de bois que “chiava” pesado pela carga, pelos chocalhos da rês e da manada, tangidas pelo ancião, adulto, ou, criança, em grupo, ou, de per si, ligeiros, ou, encurvados pela carga que transportavam, em amena cavaqueira, ou agitados e angustiados pelo trabalho que sempre espreitava, enquanto percorriam a distância que os separava do outro lugar, veranda ou inverneira, porque, assim o exigiam a necessidade de sobrevivência, ou, a do cumprimento e manutenção de uma tradição multissecular.

Desconhece-se o período em que se iniciou este movimento pendular e sazonal, que justifica o
facto de distinguirmos em Castro Laboreiro um “duplo” povoamento. Recordamos que a primeira referência a um povoamento estival, que sugere a existência de um movimento com características sazonais encontrámo-la no Numeramento de 1527-1532508 508. Se a descrição nos permite admitir a existência multissecular de este tipo de movimentos, também nos leva a questionar se não seriam todos os castrejos, incluindo, os residentes nos actuais lugares “fixos”, a participar na “mudança”, que poderia ser feita, até, para lugares fora do concelho castrejo.

Um outro aspecto, também problemático, relaciona-se com a identificação dos primeiros lugares,
cujos habitantes se envolveram neste tipo de movimentos sazonais, isto é, a população começou por se sedentarizar na veranda, onde passava a Primavera, todo o Verão e Outono, vendo-se na necessidade em baixar ao fundo do vale, à inverneira, lugar mais abrigado, para, assim, fugir, aos rigores, demasiadamente intensos, de um Inverno agreste e pródigo em muita neve, ou, pelo contrário, optou pelos lugares mais abrigados, os de fundo de vale, as inverneiras, com menores extensões de solo agrícola e, por conseguinte, os problemas de sobrevivência exigiram a subida das vertentes da bacia do Laboreiro, em busca de maiores extensões de solo propício à agro-pastorícia, mesmo que, localizadas a altitudes superiores aos 1000 metros?

Se a rede de lugares em Castro Laboreiro e no séc. XVII seria muito próxima da actual 509 e se
tivermos em atenção a leitura dos primeiros Registos de Baptismo 510 que mencionam como lugar de residência dos pais do baptizando, sempre, uma inverneira, ou, um lugar “fixo”, "esquecendo" pura e simplesmente as verandas, muito provavelmente, ter-seiam implementado, primeiro aquelas, as inverneiras e só, mais tardiamente, as verandas. Não conseguimos encontrar uma explicação plausível para a atitude assumida pelos diferentes párocos, a não ser que, possivelmente, o lugar mais importante seria, nessa época, o da inverneira e, portanto, havia que fazer a “distinção”, em relação à veranda que, já existiria, aquando do Numeramento Joanino.

Independentemente dos lugares que estiveram
na origem deste tipo de movimento pendular e sazonal, hoje, ou melhor, em 2004, era a veranda, que adquiria um maior protagonismo, porque fixa a maioria dos residentes, os que optaram pela permanência durante todo o ano e, mesmo, aqueles que, ainda, cumprem a tradição e habitam nela, sensivelmente nove meses num período de doze.

Além disso, quando abordámos de forma sistemática todos os residentes, em Outubro de 2000,
e lhes perguntávamos o lugar da naturalidade diziam-nos, sempre, com a maior espontaneidade, o nome da veranda, não surgindo um único caso, que mencionasse a inverneira, mesmo que fosse ela, de facto, o torrão natal. Contudo, foram-nos confidencializando que aquando da declaração do nascimento na Conservatória do Registo Civil, em Melgaço, a naturalidade indicada foi sempre a do lugar de residência da mãe no momento do acontecimento, pelo que no séc. XX e a nível oficial, indiferentemente verandas e inverneiras ditaram o lugar da naturalidade.

Apesar de todas as contingências, número significativo de castrejos, após décadas
de labuta no estrangeiro, optam, actualmente, ou, melhor, na primeira década do séc. XXI, pela residência permanente na Vila, em virtude de uma maior acessibilidade a bens e serviços nela sediados, como os correios, a agência bancária, a farmácia, ou, a actividades geradoras de emprego, por exemplo, na hotelaria e na restauração, deslocando-se no seu jeep, ou, na carrinha às propriedades, que conservam no lugar “fixo”, na veranda, ou, na inverneira, enquanto assistem a um despovoamento rápido e perigoso destas aldeias, onde as manchas de giestas proliferam e cobrem as parcelas, autênticos depósitos detríticos organizados em função do rio Grande.

Ora, as alterações verificadas na paisagem não dizem respeito, apenas, ao manto vegetal, que
reveste os espaços, outrora amanhados, mas, reflectem-se, também, na arquitectura e fisionomia dos elementos construídos.

Assim, se o edificado das verandas e inverneiras "desenhou", em termos globais, núcleos
fortemente concentrados, os dois "tipos" de residência sazonal distinguem-se pelo número de aldeias que envolvem, enquanto cada aldeia se diferencia pela dimensão da área construída e pelo matiz da densidade de casas reconstruídas e, ou, erguidas pela primeira vez.

Recordamos a importância do edificado "novo" no período de 1950/80, quer nas verandas, quer
nas inverneiras, que "contrasta" com o baixo índice de juventude verificado na última década do séc. XX.

As verandas implementadas, respectivamente ao longo de cada uma das margens do
Laboreiro 511, dispõem-se segundo a estrada, que praticamente sobrepõe o velho caminho, que, em cada margem do rio, conduzia ao planalto, apresentam um casario compacto, circundado, de imediato, pela aureola verde dos pastos e, como que superintendem o fundo do vale, em cuja secção sul proliferam e se distribuem, em maior número, as inverneiras 512, através de manchas edificadas mais limitadas, em comparação com as verandas, algumas afastadas da estrada asfaltada, pelo que se torna necessário percorrer troços, relativamente, curtos, mas íngremes e de piso difícil, como, por exemplo, na Assureira, Podre, Alagoa ou João Alvo e Ramisqueira.

Se o verandejo apostou primordialmente na modernização da veranda, a sua postura perante a
inverneira traduziu-se principalmente na conservação e resolução de problemas inerentes à degradação inexorável, mas normal, do tempo. Contudo, surgem construções novas, ou, melhor reconstruídas, mas com uma traça diferente, que desvirtualiza a paisagem como, por exemplo, na Varziela e na Entalada, a par de outras que, embora de traça “nova”, se enquadram no ambiente autóctone, como na Curveira, ou, no Bico. Poderemos dizer que as construções novas, ou, então, as remodelações profundas surgem, por princípio, naquelas inverneiras em que se antevê um futuro promissor na base desenvolvimento turístico, ou então, as famílias decidiram escolhê-las como a aldeia de residência permanente.

Na veranda se a vaga de remodelações foi intensa e profunda, incidiu principalmente dentro do
espaço do núcleo do povoado, que é sempre exíguo e diminuto, pelo que se torna muito difícil, delinear fases de “crescimento” do lugar, tendo em conta as gerações das unidades edificadas. Os residentes, por princípio, aproveitam a velha estrutura para nela erguerem um novo alçado, ou, então, levantam a casa “nova” sobre o chão em que assentava a casa demolida, mantendo-se, deste modo, a planta genuína da aldeia, em que prevalecem inalteradas as centenárias ruelas, largos e caminhos. Mas, apesar de tudo, novas unidades emergiram fora do núcleo ancestral, como nas Eiras, Padrosouro ou Campelo, estendendo-se a aldeia, ao longo da nova estrada asfaltada.

Após uma observação cuidada, dir-se-á que a construção “nova”, embora a um ritmo diferente
do da Vila e dos outros lugares “fixos”, matiza as velhas aldeias do verandejo, em que se evidenciam as verandas, pelos edifícios que contribuem, uns, no alargamento em “linha” do lugar, outros no contraste com a velha casa, que resiste ao desmoronamento gradual, a que o proprietário parece indiferente, em contraste com as inverneiras, umas, gradualmente, desabitadas (Bago de Baixo, João Alvo, Ramisqueira), outras, suficientemente, atractivas na fixação permanente dos seus proprietários (Curveira, Cainheiras, ou, Ameijoeira), e as promissoras de um futuro, provavelmente, risonho, assente, nas potencialidades, no âmbito do turismo (Laceiras, Entalada).

Como numa muito breve nota de síntese, diremos que os novos rostos destas aldeias, não são
mais que o reflexo das alterações profundas dos hábitos do verandejo, que, em função de uma melhoria da qualidade de vida, opta, por residir em lugares exteriores à freguesia, ou, então, não saindo desta, pelo lugar mais central, que, também, é o mais acessível, o da Vila e, em último caso, pela sua veranda, ou, inverneira, deixando as tradicionais deslocações sazonais, para os mais idosos, que, teimosamente, se esforçam por manter vivo uma face de um modo de vida, cuja duração dependerá da sua própria longevidade.
Notas de rodapé:

499- Locais habitados durante o Inverno, isto é, desde a primeira quinzena de Dezembro até ao mês de Março, quando muito, primeira quinzena de Abril. Se não existia uma semana de Dezembro fixa para a mudança, era como que obrigatório, passar a noite de Natal na inverneira.

500
- Locais habitados durante o Verão, isto é, desde os meados a finais do mês de Março até à primeira quinzena/meados do mês de Dezembro. Contudo, era como que obrigatório passar a Páscoa na veranda. Veranda, vulgarmente, Branda, expressão cuja origem etimológica ainda não está em absoluto determinada, segundo as opiniões de diferentes filólogos. Sem querermos questionar a etimologia da expressão, pois não são esses os objectivos desta investigação, optámos, neste trabalho, pela grafia que o Pe. Pintor pensava ser a mais correcta, pois Veranda é uma expressão, provavelmente, com a mesma raiz etimológica de verão. Pintor, Pe M. A. Bernardo, 1981, "Por Terras do Soajo, S. Bento de Cando na freguesia da Gavieira" in Separata Terrade Val de Vez, nº 2, I Semestre, pp.32-33.

501-
Sobre esta problemática, minuciosamente descrita, ler Geraldes, Alice Duarte, 1996, Brandas e Inverneiras, Particularidades do sistema agro-pastoril castrejo, Cadernos Juríz/Xurés, Instituto de Conservação da Natureza, Parque Nacional Peneda-Gerês, Braga, 62 p.

502 -
Não podemos deixar de mencionar que a veranda da Portela, actualmente, poder-se-á considerar um lugar “fixo”, se atendermos ao facto, de todos os residentes permanecerem os dozemeses do ano.

503
- Se em Outubro de 2000 na Curveira e nas Cainheiras não residiam moradores ao longo dos doze meses do ano, em Agosto de 2004, já o faziam duas e cinco pessoas, respectivamente.
504 - Sobre esta problemática, minuciosamente descrita, ler Geraldes, Alice Duarte, 1996, Brandas e Inverneiras, Particularidades do sistema agro-pastoril castrejo, Cadernos Juríz/Xurés, Instituto de Conservação da Natureza, Parque Nacional Peneda-Gerês, Braga, pp. 28-36.

505-
Os alunos residentes nas verandas da Portela, Formarigo e Teso sempre frequentaram a escola da Vila, por questões de uma melhor acessibilidade. Para as Cainheiras iam os alunos dos Portos, de Cima e de Baixo, da Seara, de Padrosouro e Campelo.

506- Esta
escola era frequentada pelos alunos do Rodeiro, Antões, Adrofreire, Outeiro, Queimadelo e Falagueiras.

507- Certas
famílias tinham o hábito de cozer o pão em quantidade suficiente para abastecer o agregado familiar nas primeiras semanas passadas na inverneira, deixando-o, devidamente, protegido na veranda.

508
- "... no quoall comçelho nom ha povoaçom jumta soomente per casaes apartados vyvem no verão neste comçelho çem moradores porque no imverno se vão vyver fora por ser terra frya..."
Freire, A. Braancamp, 1905, "Povoação de Entre Doiro e Minho no XVI século" in Archivo Historico
Portuguez, Vol. III, nºs 7 e 8, Lisboa, p. 246.

509- Lima, Alexandra Cerveira Pinto S., 1996, Castro Laboreiro, Povoamento e Organização de um Território
Serrano, Instituto da Conservação da Natureza, Parque Nacional Peneda-Gerês e Câmara Municipal de Melgaço, Braga, pp. 59-62.

510 - Após uma leitura cuidada de todos os Registos de Baptismo efectuados no período de 1597 a 1858
, que envolvem nove Livros Mistos e 10 Livros de Baptismos, podemos dizer que, neste longo período, com cerca de três séculos, todos os párocos nomeiam, sempre, o nome de uma inverneira, para o lugar de residência dos pais do neófito, mesmo que o baptizado se tenha efectuado nos meses compreendidos entre Abril a Dezembro, a par dos lugares "fixos" da Portelinha, Várzea Travessa, Vido, Picotim, Covelo e Vila. Contudo, há a assinalar a excepção do lugar de Outeiro, actualmente, uma veranda, que assistiria ao primeiro baptizado do filho de um seu residente em 30 de Abril de 1630. A partir deste momento os registos de baptizado do filhos dos moradores do Outeiro, sucedem-se, mas, com grandes espaços de tempo e de forma muito irregular. Outro aspecto curioso, que gostaríamos de assinalar, pois não conseguimos encontrar explicação, para semelhante distinção, traduz-se no facto de o pároco, no período de 1629 a 1640 (Livro de Registos Misto 2), distinguir as aldeias do Bago, da Várzea Travessa, do Outeiro e do Vido, dos lugares da Ameijoeira, de João Alvo, de Pontes (...). A partir de 1640, isto é, a partir do Livro Misto 3, a distinção desaparece e todos os povoados são designados por lugares. Livro de Registos Paroquiais Mistos 1 a 9 e de Baptismo 1 a 10 in Microfilme rolos nºs 63, 64 e 66, Arquivo Distrital de Braga, Braga.

511 - Por uma mera questão de organização, identificam-se as verandas em função da sua localização
, relativamente à linha de água estruturante, o rio Laboreiro, as da margem esquerda e as da margem direita.

512 - Também, por uma mera questão de organização, se distingue o grupo das inverneiras da
margem direita, do grupo das inverneiras da margem esquerda, logicamente, em relação ao rio Laboreiro.


in:
Carvalho, Elza Maria Gonçalves Rodrigues de (2006), "2.2.1 Duplo povoamento em Castro Laboreiro", Lima Internacional: Paisagens e Espaços de Fronteira (Tese de doutoramento em Geografia, ramo de Geografia Humana), Braga, Universidade do Minho - Instituto de Ciências Sociais, pp. 193-208.

1 comentário:

Anónimo disse...

Um texto interessantíssimo que me fez aguçar o apetite. Vou ver se encontro o livro em questão, pois o tema é importante para nós, minhotos. Boa semana.