"É o concelho com menor rácio de desemprego registado em 2007. Mas às portas de Melgaço não há nenhum cartaz na estrada a dizer “Bem-vindo à terra do pleno emprego”.
Aliás, a haver placa, neste município no Nordeste do Alto Minho, ela seria mais do género: “Bem-vindo. Fique por cá.” A luta de Melgaço não é, de facto, com o desemprego, mas com o envelhecimento. A relação de três velhos para cada jovem é uma ameaça para a estratégia de desenvolvimento que pede gente para o turismo, para o apoio aos idosos ou a produção de vinho Alvarinho mais do que, por exemplo, para a indústria. Esta, aliás, tem uma forte concorrência em Espanha, ali ao lado, na margem norte do rio Minho, onde, como um pouco por todo o Norte do país, desaguam muitos portugueses à procura dos salários que, por cá, poucos pagam.
Em Melgaço, no final do ano passado, 1,3 por cento da população activa estava desempregada. Um “zoom” pelos dados já de Janeiro de 2008, disponibilizados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), transformam esse rácio num número mais perceptível: 114 pessoas deste concelho com 9579 habitantes estavam inscritas no centro de emprego de Valença; dessas, 71 eram mulheres, para apenas 43 homens; só 17 dos inscritos estavam à procura do primeiro emprego; 12 dos desempregados tinham formação superior, os restantes completaram o secundário (37) ou apresentavam-se com formações ainda mais baixas (65). E só 23 procuravam trabalho há mais de um ano. É um esboço numérico do desemprego num território em que a população activa (3173 pessoas em 2001) vai caindo, em razão da baixa taxa de natalidade e do envelhecimento populacional, o que obriga o município a olhar para fora.
Foi sempre assim, nas últimas cinco décadas. Metade dos de Melgaço saíram – para França ou para outros pontos do país – e alguns foram chegando de fora, para ocupar vagas no mercado de trabalho, recorda Albertino Gonçalves, sociólogo com extensa investigação na área da imigração, e ele próprio exemplo do que fala. “Sair dali é o ar que se respira. Há várias gerações que, em certos momentos da vida, a opção anómala parece ser ficar”, diz o docente, que, como muitos, foi estudar para Braga na década de 60. Licenciou-se na Sorbonne. E ali em Paris, num “part-time” num banco português, ajudou muitos compatriotas a preencher cheques que vinham parar a Portugal.
Duas décadas depois, e apesar de ter menos de dez mil habitantes – ou talvez seja melhor falar em residentes, porque este número é multiplicado por três em Julho e Agosto –, Melgaço continua a ser um dos concelhos com mais depósitos do país (173 milhões de euros acumulados até 2006, segundo o Instituto Nacional de Estatística).
Albertino foi dos que não regressaram. Fixou-se em Braga e na Universidade do Minho. Os que não migraram fazem o seu dia-a-dia em Espanha, numa viagem curta e relativamente recompensadora. Um servente pode ganhar 800 euros e um pedreiro 1200, explicou ao PÚBLICO fonte do centro de emprego de Valença, a poucos dias de mais uma prova de selecção de trabalhadores da região para emprego na construção, na Galiza. Por França mantêm-se muitos dos filhos dos velhos que, em Melgaço, cumprem normalmente o plano de regresso no momento da reforma, ou, em francês, da “retrait”. O retrato resultante desta teia de movimentos não é dificil de antever.
O número de inactivos supera, em muito, o número de activos. E estes, explica Luísa Gomes, natural da Guarda e chefe de divisão de Acção Social, trabalham na câmara – a maior empregadora do concelho; nas 282 empresas de comércio e serviços ou nas 118 de alojamento e restauração (dados de 2001). Fruto da inversão da pirâmide etária, para além dos sectores tradicionais, como a construção, muito dependente das encomendas dos emigrantes, os serviços de apoio geriátrico começam a ganhar importância no número de pessoas que empregam, e a sentir mesmo alguma falta de mão-de-obra.
Nos últimos anos, Melgaço tenta explorar economicamente a sua identidade. O Alvarinho produzido por 36 empresas tem ainda muito potencial, e a adesão crescente à feira anual de fumeiro incentivou a formação de unidades familiares. E, se a falta de gente não trouxe o crescimento de outras vilas e cidades, jogou pelo menos a favor da aposta num turismo virado para um límpido rio Minho ou, no monte, para as aldeias incrustradas no Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Antiga terra de contrabandistas, Melgaço foi sempre terra de passagem e, apesar da demografia, cada vez mais gente passa por ali, como se podia perceber naquela sexta-feira de Março no Peso, uma localidade termal à espera que a Unicer faça algo do património que ali detém. Na Adega do Sossego, o dono não tem mãos a medir para tantos clientes. Boa parte deles espanhóis. Boa parte deles a salivar por lampreia, numa prova de que o futuro também se conquista pela boca. Haja gente para a alimentar.
Aflex, um “case study” num pequeno parque industrial
Na Estrada Nacional 202, que acompanha o serpentear do rio Minho até Melgaço, há um desvio, uns quilómetros antes da vila, para o Parque Industrial de Penso, uma aposta do município no alojamento industrial. No entanto, a imagem que salta à vista de quem toma essa direcção é um pequeno povoado que oferece à primeira impressão um ar de abandono quase comparável à do arruamento ladeado por pavilhões que se assoma mais à frente. À hora a que o PÚBLICO chega, numa sexta-feira ao início da tarde, não há movimento na rua, e só um ou outro barulho nos diz que há ali dez empresas instaladas (existem quatro em licenciamento). Do total, quase metade são estrangeiras, ou melhor, cinco espanholas e uma francesa, a Aflex.
A dimensão do parque é o espelho do peso na indústria na economia do concelho. E, em contraponto com as restantes unidades de cariz mais familiar, a Aflex Portugal, filial de uma empresa francesa de produção de tubos de borracha para a indústria automóvel, é um microcosmo de muitas das vivências de Melgaço.
Para além de factores óbvios, como o do custo da mão-de-obra e do terreno e a proximidade à rede de transportes de Espanha, o facto de “todo o mundo falar francês aqui” foi um empurrão para que o dono instalasse a unidade no município, conta Carla Besteiro. Filha de emigrantes de apenas 29 anos, ainda conserva o sotaque e o manejo da língua de Victor Hugo, essencial para a sua função de direcção comercial. Depois de um arranque intermitente, a firma é gerida há quase cinco anos por uma engenheira de 34 anos, formada na Universidade do Minho e natural de... Castelo Branco.
Fernanda Carvalho explicou como a partir do momento em que passou a funcionar em regime contínuo, por turnos, o recrutamento de pessoal se tornou tarefa difícil para esta empresa que paga, líquidos, à volta de 550 euros. Homens a candidatar-se são raros. Mulheres – que já são a maioria dos 45 empregados – ainda aparecem, mas, nota, quase todas as que são enviadas pelo centro de emprego acabam por recusar a proposta, o que leva a gestora a antever dificuldades quando tiver de seleccionar pessoas para responder ao aumento da laboração previsto para este ano. “Os homens preferem todos ir para Espanha. E poucas mulheres querem trabalhar”, nota Fernanda, numa descrição corroborada por Carla, cujo marido é operário numa fábrica espanhola que processa algas, a 30 minutos dali.
Albertino Gonçalves não partilha totalmente esta leitura sobre a relação das mulheres locais com o mercado de trabalho. Para além da questão salarial, lembra que, muitas vezes, as empresas querem recrutar para horários que nada têm que ver com os estilos de vida e hábitos de trabalho das pessoas dali. O sociólogo da Universidade do Minho assinala que “as pessoas de Melgaço têm várias alternativas para conseguir dinheiro” – desde o trabalho dos homens em Espanha às reformas de França de muitos dos idosos que permanecem em casa dos filhos –, “o que não facilita a vida a essas empresas”."
Aliás, a haver placa, neste município no Nordeste do Alto Minho, ela seria mais do género: “Bem-vindo. Fique por cá.” A luta de Melgaço não é, de facto, com o desemprego, mas com o envelhecimento. A relação de três velhos para cada jovem é uma ameaça para a estratégia de desenvolvimento que pede gente para o turismo, para o apoio aos idosos ou a produção de vinho Alvarinho mais do que, por exemplo, para a indústria. Esta, aliás, tem uma forte concorrência em Espanha, ali ao lado, na margem norte do rio Minho, onde, como um pouco por todo o Norte do país, desaguam muitos portugueses à procura dos salários que, por cá, poucos pagam.
Em Melgaço, no final do ano passado, 1,3 por cento da população activa estava desempregada. Um “zoom” pelos dados já de Janeiro de 2008, disponibilizados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), transformam esse rácio num número mais perceptível: 114 pessoas deste concelho com 9579 habitantes estavam inscritas no centro de emprego de Valença; dessas, 71 eram mulheres, para apenas 43 homens; só 17 dos inscritos estavam à procura do primeiro emprego; 12 dos desempregados tinham formação superior, os restantes completaram o secundário (37) ou apresentavam-se com formações ainda mais baixas (65). E só 23 procuravam trabalho há mais de um ano. É um esboço numérico do desemprego num território em que a população activa (3173 pessoas em 2001) vai caindo, em razão da baixa taxa de natalidade e do envelhecimento populacional, o que obriga o município a olhar para fora.
Foi sempre assim, nas últimas cinco décadas. Metade dos de Melgaço saíram – para França ou para outros pontos do país – e alguns foram chegando de fora, para ocupar vagas no mercado de trabalho, recorda Albertino Gonçalves, sociólogo com extensa investigação na área da imigração, e ele próprio exemplo do que fala. “Sair dali é o ar que se respira. Há várias gerações que, em certos momentos da vida, a opção anómala parece ser ficar”, diz o docente, que, como muitos, foi estudar para Braga na década de 60. Licenciou-se na Sorbonne. E ali em Paris, num “part-time” num banco português, ajudou muitos compatriotas a preencher cheques que vinham parar a Portugal.
Duas décadas depois, e apesar de ter menos de dez mil habitantes – ou talvez seja melhor falar em residentes, porque este número é multiplicado por três em Julho e Agosto –, Melgaço continua a ser um dos concelhos com mais depósitos do país (173 milhões de euros acumulados até 2006, segundo o Instituto Nacional de Estatística).
Albertino foi dos que não regressaram. Fixou-se em Braga e na Universidade do Minho. Os que não migraram fazem o seu dia-a-dia em Espanha, numa viagem curta e relativamente recompensadora. Um servente pode ganhar 800 euros e um pedreiro 1200, explicou ao PÚBLICO fonte do centro de emprego de Valença, a poucos dias de mais uma prova de selecção de trabalhadores da região para emprego na construção, na Galiza. Por França mantêm-se muitos dos filhos dos velhos que, em Melgaço, cumprem normalmente o plano de regresso no momento da reforma, ou, em francês, da “retrait”. O retrato resultante desta teia de movimentos não é dificil de antever.
O número de inactivos supera, em muito, o número de activos. E estes, explica Luísa Gomes, natural da Guarda e chefe de divisão de Acção Social, trabalham na câmara – a maior empregadora do concelho; nas 282 empresas de comércio e serviços ou nas 118 de alojamento e restauração (dados de 2001). Fruto da inversão da pirâmide etária, para além dos sectores tradicionais, como a construção, muito dependente das encomendas dos emigrantes, os serviços de apoio geriátrico começam a ganhar importância no número de pessoas que empregam, e a sentir mesmo alguma falta de mão-de-obra.
Nos últimos anos, Melgaço tenta explorar economicamente a sua identidade. O Alvarinho produzido por 36 empresas tem ainda muito potencial, e a adesão crescente à feira anual de fumeiro incentivou a formação de unidades familiares. E, se a falta de gente não trouxe o crescimento de outras vilas e cidades, jogou pelo menos a favor da aposta num turismo virado para um límpido rio Minho ou, no monte, para as aldeias incrustradas no Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Antiga terra de contrabandistas, Melgaço foi sempre terra de passagem e, apesar da demografia, cada vez mais gente passa por ali, como se podia perceber naquela sexta-feira de Março no Peso, uma localidade termal à espera que a Unicer faça algo do património que ali detém. Na Adega do Sossego, o dono não tem mãos a medir para tantos clientes. Boa parte deles espanhóis. Boa parte deles a salivar por lampreia, numa prova de que o futuro também se conquista pela boca. Haja gente para a alimentar.
Aflex, um “case study” num pequeno parque industrial
Na Estrada Nacional 202, que acompanha o serpentear do rio Minho até Melgaço, há um desvio, uns quilómetros antes da vila, para o Parque Industrial de Penso, uma aposta do município no alojamento industrial. No entanto, a imagem que salta à vista de quem toma essa direcção é um pequeno povoado que oferece à primeira impressão um ar de abandono quase comparável à do arruamento ladeado por pavilhões que se assoma mais à frente. À hora a que o PÚBLICO chega, numa sexta-feira ao início da tarde, não há movimento na rua, e só um ou outro barulho nos diz que há ali dez empresas instaladas (existem quatro em licenciamento). Do total, quase metade são estrangeiras, ou melhor, cinco espanholas e uma francesa, a Aflex.
A dimensão do parque é o espelho do peso na indústria na economia do concelho. E, em contraponto com as restantes unidades de cariz mais familiar, a Aflex Portugal, filial de uma empresa francesa de produção de tubos de borracha para a indústria automóvel, é um microcosmo de muitas das vivências de Melgaço.
Para além de factores óbvios, como o do custo da mão-de-obra e do terreno e a proximidade à rede de transportes de Espanha, o facto de “todo o mundo falar francês aqui” foi um empurrão para que o dono instalasse a unidade no município, conta Carla Besteiro. Filha de emigrantes de apenas 29 anos, ainda conserva o sotaque e o manejo da língua de Victor Hugo, essencial para a sua função de direcção comercial. Depois de um arranque intermitente, a firma é gerida há quase cinco anos por uma engenheira de 34 anos, formada na Universidade do Minho e natural de... Castelo Branco.
Fernanda Carvalho explicou como a partir do momento em que passou a funcionar em regime contínuo, por turnos, o recrutamento de pessoal se tornou tarefa difícil para esta empresa que paga, líquidos, à volta de 550 euros. Homens a candidatar-se são raros. Mulheres – que já são a maioria dos 45 empregados – ainda aparecem, mas, nota, quase todas as que são enviadas pelo centro de emprego acabam por recusar a proposta, o que leva a gestora a antever dificuldades quando tiver de seleccionar pessoas para responder ao aumento da laboração previsto para este ano. “Os homens preferem todos ir para Espanha. E poucas mulheres querem trabalhar”, nota Fernanda, numa descrição corroborada por Carla, cujo marido é operário numa fábrica espanhola que processa algas, a 30 minutos dali.
Albertino Gonçalves não partilha totalmente esta leitura sobre a relação das mulheres locais com o mercado de trabalho. Para além da questão salarial, lembra que, muitas vezes, as empresas querem recrutar para horários que nada têm que ver com os estilos de vida e hábitos de trabalho das pessoas dali. O sociólogo da Universidade do Minho assinala que “as pessoas de Melgaço têm várias alternativas para conseguir dinheiro” – desde o trabalho dos homens em Espanha às reformas de França de muitos dos idosos que permanecem em casa dos filhos –, “o que não facilita a vida a essas empresas”."
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