terça-feira, 3 de março de 2009

O teatro toma conta da casa


"Comédias do Minho leva peças a lares de Paredes de Coura, Melgaço, Monção, Valença e V. N. Cerveira

Imagine que está em casa e que, de repente, dos retratos que tem espalhados pelas várias divisões saltam personagens. Ou que lhe surgem imagens reais de um ou outro sonho que foi tendo repetidas vezes ao longo da sua vida.

Ou ainda que de um país qualquer distante para onde desejava viajar e nunca teve oportunidade, lhe entre pela porta dentro um bocadinho das suas gentes, da sua música e das suas danças.

Tudo isto pode parecer um pouco esquizofrénico, mas a verdade é que, através da arte, nada é impossível. A comprová-lo está a nova produção teatral da companhia Comédias dos Minho, sediada em Paredes de Coura, e que se estreou em casa de uma habitante da freguesia de Bico.

Esmeralda Lima, 82 anos, a viver sozinha há mais de 30 no lugar de Seara, permitiu surpreendentemente que de um momento para o outro os seus aposentos fossem invadidos por um bando de artistas dispostos a tudo para recriar o seu mundo. Quintal, cozinha, sala, quartos, casa de banho e estábulo, tudo é palco de "Salto da água", um conjunto de ficções inspiradas em passagens da vida e dos sonhos da proprietária da casa, e que integram o novo espectáculo "Contra-bando".

"A Esmeralda não precisa ir ao teatro porque tem o teatro à sua volta", explica Madalena Victorino, a coreógrafa (ex-assessora para a área da pedagogia e animação da Fundação Centro Cultural de Belém) convidada pela companhia Comédias do Minho, para tomar em mãos este projecto. Estabelecer "um relacionamento mais próximo e vertiginoso" entre os grupo de actores e a população da região servida pela Comédias do Minho (os concelhos de Paredes de Coura, Melgaço, Monção, Valença e Vila Nova de Cerveira) foi o desafio a que se propôs Vitorino. A "infiltração artística" em casa das pessoas é a sua filosofia.

"Bem-vindos ao Salto da água", é desta forma que, acompanhada por Esmeralda Lima, Madalena Vitorino recebe o público junto ao portão da casa tomada pelo teatro. A assistência é a partir de aí conduzida por um grupo de sete actores para cenários ora enigmáticos ora divertidos do universo da octogenária. O imprevisto toma conta do espaço pessoal de Esmeralda. Ressuscitam-se histórias da sua infância, como aquela em que com o irmão pediu um barco ao pai como recompensa pelas boas notas na escola e velhas ligações afectivas como a que tinha com o seu padrinho Francisco emigrante brasileiro, que nunca pôde visitar e de quem guarda duas belas fotos: a dele e a da sua namorada brasileira.

Para levar um pouco de Brasil a casa de Esmeralda os artistas saltam numa dança frenética ao som de Carmen Miranda para a cozinha da anfitriã. Os olhos de Esmeralda brilham. "A casa está de pernas para o ar, mas eu torno-a a pôr no chão", ri.

Nos quartos, personagens reais irrompem do retrato do casamento de uma sobrinha, de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima e de um sonho que há muito se repete durante o sono da idosa. "Uma altura sonhava com muito água, ia para a frente por uns carreiros e havia um rio que começava a crescer e eu via-me à toa porque parecia que a água me queria levar e eu acordava assustada com aquilo", recorda Esmeralda Lima.

A arte do teatro transforma-lhe os sonhos de água em luz e movimento, e inunda-lhe os quatro cantos da casa e acima de tudo, o coração.

Ao "Salto da água" em casa de Dona Esmeralda, juntam-se ainda outras ficções noutros locais inéditos e que compõem o novo espectáculo da Comédias do Minho: "Cozida", em casa de outra idosa em Paredes de Coura, "Coração de porco" numa casa de Melgaço, "Labaredas" em barracos de pescadores em Vila Nova de Cerveira, "Uma pequena ideia de amor", numa mercearia de Monção e "Saias de Sabão", numas estufas de flores de Valença".

Ana Peixoto Fernandes, Jornal de Notícias, 3/Março/2009




No blog das Comédias do Minho podemos ler a descrição do espectáculo:


CONTRA-BANDO é um espectáculo de Teatro-Dança que se apresenta em casas de aldeia do Vale do Minho. Essas casas serão o palco de um encontro entre a terra, artistas, animais e habitantes.Todos, em conjunto, estudam os vigorosos trabalhos do campo e da dança, e através do artifício teatral, acendem em cada lareira o fogo das artes. O público, ao entrar, celebra um ilusionismo feito com aldeões que se transformam em actores, actores em homens rurais, palha que salta de lenços de assoar, sombras de santos que pairam numa sala, enguias que dançam, pão que se reparte. Um espectáculo que acorda as grandes e velhas pedras deste vale.

FICHA ARTÍSTICA

Encenação, Dramaturgia e Coreografia: Madalena Victorino

Assistência Coreográfica: Ainhoa Vidal

Interpretação e Co-Criação: Ainhoa Vidal, Miguel Fragata, Gonçalo Fonseca, Luís Filipe Silva, Mónica Tavares, Rui Mendonça, Tânia Almeida

Filme Documental: Olga Ramos e Ricardo Rezende

DATAS E LOCAIS DE APRESENTAÇÃO

Paredes de Coura - Bico - Lugar da Seara

“O salto da água” “Cozida”

27 Fevereiro Sexta-Feira 17h30

28 Fevereiro Sábado 11h30 15h00 17h30

01 de Março Domingo 11h30 15h00 17h30

Melgaço - Parada do Monte - Lugar do Paço

“Coração de porco”

06 de Março Sexta-Feira 21h00

07 de Março Sábado 11h30 16h00 21h00

08 de Março Domingo 11h30 16h00 21h00

Vila Nova de Cerveira - Campos - Lugar das Furnas

“Labaredas”

13 de Março Sexta-Feira 21h00

14 de Março Sábado 11h30 16h00 21h00

15 de Março Domingo 11h30 16h00 21h00

Monção - Lara - Mercearia dos Vilar

“Uma pequena ideia de amor”

20 de Março Sexta-Feira 17h30

21 de Março Sábado 11h30 15h00 17h30

22 de Março Domingo 11h30 15h00 17h30

Valença - Verdoejo - Estufas de Flores

“Saias de sabão”

27 de Março Sexta-Feira 21h00

28 de Março Sábado 11h30 16h00 21h00

29 de Março Domingo 11h30 16h00 21h00

CONTRA-BANDO a salto: 3 a 5 de Abril

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