segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Povos do Gerês descem a Braga

Há quem fale em milhares. Garantidas, estão mil inscrições para autocarros e outros veículos. Hoje, sábado, os povos da Peneda-Gerês descem a Braga em protesto contra o Plano de Ordenamento do Parque Nacional, que esteve em discussão pública até Dezembro.

O estribilho ecoa nos vales. "Grande manifestação contra o plano de ordenamento do Parque". Devagar, o carro sonoro galga serras e fala ao ouvido dos povoados, a exortar à mobilização. "Pedimos respeito pelas propriedades privadas, pelos baldios, pelas vezeiras, pelas pessoas e suas raízes".

"Está a crescer", afiança José Carlos Pires, porta-voz do movimento Peneda-Gerês Com Gente que, com juntas de freguesia, conselhos directivos de baldios e organizações de caça e pesca, organiza a manifestação, convocada para a avenida central de Braga.

O grosso da mobilização fez-se na última semana. De boca em boca, porta a porta, nos cafés, nas igrejas. "O padre avisou que o presidente da Junta queria reunir o povo", conta Albino Sousa, reformado da lavoura de Germil. Reunido o povo, o autarca pediu "um de cada casa, para ir o mais que pudessem, para dar força", conta Albino.

O presidente da Junta, João Pereira, está satisfeito. Tem um autocarro garantido e pode não chegar. "Certos estão 70 ou 80. As pessoas sentem-se muito atingidas com este plano, que tem mais restrições, por exemplo na pastorícia".

Mas o novo Plano permite a pastorícia tradicional... "É preciso ler nas entrelinhas", contrapõe. "A norma diz que não é interdita desde que seja efectivamente praticada. Ora, se deixar de o ser, depois não pode ser retomada".

As alegadas restrições a usos tradicionais e a intenção de tornar parte do território selvagem (sem intervenção humana, para permitir a conservação de espécies ameaçadas) estão no cerne da questão.

"A estratégia de tornar o território ainda mais selvagem vai contra o que as populações querem, porque pretendem ter melhores oportunidades de vida," e "ignora que todos os sítios de interesse foram feitos pelo homem", sintetiza José Carlos Pires. E sem o homem, sustenta, "vão morrer". O pior, diz, é que as restrições são aplicadas, não sobre os 7,5% de território do Estado, mas sobre propriedades privadas e comunitárias (baldios).

Os cinco mil hectares de área selvagem prevista "estão dentro do baldio de Vilar da Veiga", nota Alexandre Pereira, presidente do seu Conselho Directivo. Os povos vão poder a usá-lo para o pastoreio, "mas as pessoas temem que não seja assim e que o Parque o venha a impedir", sublinha.

E há a restrição de outros usos. "Nem um carvalho para o lume para nos aquecermos ou um ramalho para o gado podemos cortar", queixa-se Albino em Germil. "Há sítios onde não podemos ir sem autorização", acrescenta Jorge Barbosa, dono de um café em S. João do Campo.

A interdição de parques eólicos é outro problema. "Vamos insistir nas renováveis, porque é uma fonte de receita que não podemos deixar passar", diz presidente da Junta do Soajo, Manuel Costa. "As medições de vento dão muitas dezenas e dezenas de torres que poderiam trazer-nos muita receita".

Em Castro Laboreiro, a redução para metade da reserva de caça para permitir a protecção do conjunto megalítico do planalto leva a Braga mais de um autocarro de manifestantes. Albertino Esteves, vice-presidente da associação venatória, não contesta o objectivo. Mas pensa que "pode ser compatibilizado" e queixa-se de falta de diálogo.

O pecado da imposição

O padre César Maciel, pároco de Castro Laboreiro, declina imiscuir-se na querela. Mas pede diálogo e lembra os pecados da florestação forçada dos baldios e da imposição da criação do parque pelo Estado Novo que não estão esquecidos.

A Gavieira, com uma leitura diferente do Plano, não estará hoje na manifestação. "Fizemos propostas e estamos à espera do que vai sair", diz o presidente da Junta de Freguesia, Américo Pio. "Tivemos reuniões com o director e deram-nos garantias: os gados podem continuar a ir ao monte e podemos recolher lenhas como sempre se fez. E podemos tirar algum saibro ou alguma pedra desde que seja para consumo e não para vender", diz.



Alfredo Maia, Jornal de Notícias, 23-01-2010

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